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andar por fora

"Há pequenos instantes na vida que preenchem o momento. É preciso recomeçar a viagem. Sempre!"

☆As melhores memórias tem sempre uma viagem!☆
31 de Outubro, 2017

o que é a felicidade

sonia goncalves

 

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Que é a Felicidade? É ver a gente,

Fora de nós, o Sonho que sonhou...

Abraça-lo e beijá-lo eternamente,

E com ele fugir n'um grande voo!

É tocar com as nãos Esperança;

E sentir o seu peso, e a gente ver

Que se curva sob ele e que se cansa

Até cair de rastros e morrer!

 

Teixeira de Pascoaes

 

foto | Atenas | agosto'17
texto | in " A Poesia de Teixeira de Pascoaes" de Jorge de Sena - Brasília Editora | 1982

28 de Outubro, 2017

palavras

sonia goncalves

 

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Hoje, em especial,
sinto-me perdida no mundo das palavras.

 

Olho-as, toco-as
e elas fogem-me.

 

Sinto-as num patamar distante de mim,
bailam à frente dos meus olhos
numa dança que me hipnotiza.

 

Vejo-as vestidas
de mil e um significados
e não lhes distingo as cores,
tal é o brilho que as envolve...

 

- Eu bem disse que hoje
andava perdida das palavras....

 

queria tanto encontrá-las!

 

Rosa Maria Anselmo

 

foto | Éfeso | agosto'17

27 de Outubro, 2017

não: devagar

sonia goncalves

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Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.


Devagar...
Sim, devagar...
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar...
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
TaIvez a impressão dos momentos seja muito próxima...


Talvez isso tudo...
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar...
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo...
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?

 

Álvaro de Campos

foto | Atenas | agosto'17
texto | in "Pessoa e Pessoas de Pessoa" - EXINOV Editora | 2010

26 de Outubro, 2017

sombra humana

sonia goncalves

 

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Quando passeio ao longo dos caminhos,

Batem asas de medo os passarinhos;

Escondem-se os repteis no tojo em flor.

Minha presença espalha um trágico pavor

Nas pobres criaturas

Que vivem neste mundo, assim como às escuras!

 

Avezinha fugindo ao ruído dos meus passos,

Se o que eu sino por ti, acaso, pressentisses,

Tu virias fazer o ninho nos meus braços...

Virias ter comigo, ó pedra, se me ouvisses!

 

Teixeira de Pascoaes

 

foto | Atenas | agosto'17
texto | in " A Poesia de Teixeira de Pascoaes" de Jorge de Sena - Brasília Editora | 1982

26 de Outubro, 2017

meu coração

sonia goncalves

 

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Da terra, uma semente pequenina

Abre ao sol, em sorrisos de verdura.

E o rubro raio aceso que fulmina,

Rasga o seio da nuvem que é ternura.

Ao longo da êrma e pálida colina,

Um doce fio de água anda à procura

De alguma rosa angélica e divina,

Abandonada e morta de secura

Meu forte coração também nasceu

Para criar cantando um novo céu.

Ninguém lhe entende a mística harmonia.

Lembra remota estrela desmaiada

Que mal se vê na abóbada azulada,

Mas para um outro mundo, é grande dia.

 

Teixeira de Pascoaes

foto| Cala Predonga - Menorca | agosto'17
texto | A Poesia de Teixeira de Pascoaes de Jorge de Sena - Brasília Editora | 1982

25 de Outubro, 2017

dá-me a tua mão

sonia goncalves

 

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Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.

 

De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

 

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

 

Clarice Lispector

 

foto | Atenas | agosto'17

25 de Outubro, 2017

poema à boca fechada

sonia goncalves

 

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Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

 

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

 

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

 

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

 

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

 

José Saramago

 

foto | Patmos | agosto'17

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