Levei tempo a compreender a palavra Progresso. Levei tempo a compreender o segredo da minha irmã Máquina, filha, como nós, da nossa mãe terra. Aqueles que a desprezam e a caluniam são os mesmos que dela se aproveitam. Aqueles que, pelo contrário, obtiveram dela pouca coisa e só à custa de trabalho e sangue, sabem que ela é sua irmã e que é preciso libertá-la, arrancá-la às mãos dos incapazes para que se torne nossa serva dócil e incansável.
O operário, o construtor de barragens, essas maravilhosas pirâmides do nosso tempo, lubrifica, unta e alimenta a máquina bela, precisa e séria de múltiplas engrenagens. E no seu coração como ele a ama! Um legítimo orgulho ilumina a sua fronte.
Se vou na rua e considero cada objecto na sua calma e beleza, a goteira, o puxador de cobre, a placa redonda de metal sobre a qual está escrito «Gás de Paris», sinto a alegria invadir-me diante de tanta beleza.
Cada objecto é um milagre, um fruto saboroso, trabalhado pela mão hábil de um dos meus irmãos, guiado pela inteligência e amizade. Sobre este alfinete, sobre este ticket de metro, um homem se debruçou, cheio de atenção, e lhe deu generosamente as mais belas horas ensolaradas da sua vida.
A tanto amor, como não responder pelo amor?
Cada objecto é um gesto amigo. Um sinal. Decifrai, pois, a mensagem amorosa dos objectos manufaturados. Eu gostaria, pela minha parte, de soletrar-lhes cada sílaba.
Se tudo isto sei é porque o amor ao mundo dos meus irmãos, um dia me dispersou, como às sementes pela terra. O amor me lançou à rua.
André Liberati
foto | Alfandega da Fé | março17
texto | in " Voz Consoante - Traduções de Poesia" de António Ramos Rosa - Quasi Edições | 2006